Quando você muda de país…

Ha'penny Bridge
Ha’penny Bridge, um negócio lindo desses no centro de Dublin, bicho!

Tem um pouco mais de três meses que eu me mudei. Só que dessa vez, não foi a nômade aventura de achar um apartamento em SP, ou ir pra outra cidade como muitos recomendaram, a fim de achar a tão sonhada paz / felicidade / tranquilidade do interior. Também não voltei pra Caieiras. Eu mudei foi de país mesmo. Moro desde Setembro, como alguns mais chegados já sabem, em Dublin, capital da Irlanda.

A decisão foi tomada no meio de um furacão de acontecimentos, o planejamento envolvia uma pós graduação e esse passo, previsto para daqui a um ano, acabou acontecendo bem antes. E nossa. Essa com certeza tem sido a mudança mais radical da minha vida inteira.

Eu sempre quis fazer algo tão bonito e tão corajoso para mim mesma (porque é assim que eu vejo isso) mas eu nunca achei que teria coragem de fato. Arrumar as malas, vender / doar / distribuir tralhas, separar o que vai e o que fica e entrar num avião, eu, eu mesma e a Rakky, pra ir para uma terra desconhecida fazer qualquer coisa num lugar longe dos meus amigos, dos meus contatos profissionais, do meu idioma nativo? Não, não vai rolar. Mas rolou e tem sido difícil de acreditar. Pra falar bem a verdade, eu só percebi que estava de verdade “morando em Dublin” há umas duas semanas. Mas péra, cê não disse lá em cima que tá aí já tem mais de 3 meses? Pois é, eu me explico.

Pagar contas aqui, alugar quarto, estudar numa escola daqui, conhecer os lugares da cidade, frequentar os pubs, arrumar emprego… tava tudo soando na minha cabeça como uma viagem de férias um pouco maior. Não tinha caído a ficha. Dentro do meu pequeno cérebro, as coisas pareciam acontecer como numa fantasia, num sonho, do qual eu logo acordaria, atrasada para ir para o trabalho, numa casa ou apartamento em São Paulo, com meu gato fazendo festa no meu cabelo. Aí eu sonhei que isso tudo era um sonho (bizarro, eu sei). Sonhei que eu acordava em São Paulo, atrasada para o trabalho, correndo para passar a camisa e sair. Quando acordei, assustada, olhei para o lado e vi minha pequena mesa de estudos no quarto, o calendário de atividades da faculdade pendurado na parede… me deu uma emoção tão boa! E ao mesmo tempo, uma nostalgia tão bonita.

Eu me privei de muitas coisas para chegar aqui. Eu escolhi que queria pagar uma pós ou um mestrado onde quer que fosse há mais de dois anos e de lá pra cá tenho guardado dinheiro pra isso. Mas eu deixei de ficar até tarde nas festas. Deixei de ir a algumas. Deixei de comprar aquele vinilzão lindo pra completar a coleção (até vendi alguns, diminuíndo a coleção, mas aumentando a poupança da pós). Escolhi cozinhar ao invés de pedir comida. Levar marmita ao invés de comer fora. Usar aquela calça jeans até rasgar na coxa ao invés de comprar outras três. Mas isso não é nada comparado à escolha de não ver mais com a distância de um busão ou de um metrô os meus amigos queridos, alguns dos quais nem consegui me despedir quando a oportunidade bateu à porta e eu decidi que viria esse ano mesmo (foi tudo tão rápido). Não é nada comparado à falta que eu sinto do meu gatinho, o Lupin, que doei para uma grande amiga que eu sei (e acompanho) que está cuidando direitinho dele.  Nem à falta que a comodidade de seu idioma nativo te proporciona (mesmo você se virando em outra língua, nada nunca soará igual à língua mãe).

Mas e aí? Cheguei. Eu tô fazendo um mestrado no exterior. Numa área que eu sempre sonhei. Um curso lindo e maravilhoso, que eu achava impossível de acontecer. Um bagulho que é tão minha cara que parece que foi desenhado pra mim. E eu só posso dizer que tenho tido mais paciência e mais tranquilidade comigo mesma, porque no fim das contas, talvez seja esse mesmo o caminho. Quem precisa ser a pessoa pronta, que na primeira semana de uma mudança de vida desse tamanho já está 100% adaptada, com emprego, com amigos novos, com casa, com estabilidade emocional? Eu não preciso. Eu vou enfrentar os pequenos percalços do dia a dia dessa nova aventura aos pouquinhos, um por um, curtindo cada momento. Porque no fim das contas, é isso que é viver, não é não?

 

 

 

Porque precisamos falar sobre 13 reasons why

É. De novo. Esse é mais um texto sobre Hannah Baker, sobre 13 Reasons Why, a série que conta a história de uma garota que cometeu suicídio porque não achava mais possível viver sua própria vida. E não. Esta não é uma série que tem a intenção de glamorizar o suicídio. Não há nada bonito em dar fim na própria vida e a série inclusive mostra isso de forma cruel e bem real. Também não é uma série sobre exageros e falta de razões, nem sobre culpar outros por seu próprio desequilíbrio. É uma série sobre bullying, sobre machismo, sobre LGBTfobia, sobre problemas de aceitação e mais do que tudo, sobre a nossa irrestrita falta de preparo para lidar com esses tipos de problemas em ambientes nos quais nossos jovens estão inseridos e sobre como preferimos não ver tudo isso.

Hannah era uma jovem comum, bonita, feliz. Ela havia mudado de cidade, estava conhecendo uma nova turma, novas pessoas, uma nova rotina. Não há problemas aí que não sejam facilmente vistos ou resolvidos. Mas as coisas começaram a ficar mal para Hannah quando ela se apaixonou pela primeira vez, teve seu primeiro beijo. E aí, em seu raciocínio, uma coisa foi levando à outra. E à outra. E à outra. Até que ela não conseguiu suportar.

A medida que você vai acompanhando a série, é impossível não julgar Hannah. Porque em sua narrativa das 13 razões que a levaram a acabar com sua vida, ela erra. Ela culpa pessoas. Ela culpa a si mesma por não ter tido coragem. Mas também é quase impossível não entendê-la. Porque ela vai, a cada uma das fitas que deixou para as pessoas que são, segundo ela, “culpadas” por sua morte, relatando pequenos erros, razões pelas quais essas pessoas deveriam se sentir mal por si mesmas, por terem feito determinadas coisas. Um garoto a beijou, mas espalhou pela escola que eles tinham “ido além”. Outro garoto a elegeu como dona da “melhor bunda” da escola, o que levou os outros garotos a provocarem Hannah, a insultarem Hannah, a pressuporem que ela era “fácil”. Seus primeiros amigos sumiram. Uma nova quase amiga surgiu, mas ela tinha problemas com sua sexualidade e acabou espalhando histórias a respeito de Hannah para se livrar de boatos a respeito de si mesma.

Caras iam e voltavam de sua vida, julgando-a fácil, dizendo palavras erradas, privando-a da liberdade de escolher com quem ela quer ou não quer ficar e roubando dela mais e mais as pequenas alegrias de seu dia a dia já tão conturbado. Tanta mágoa fez com que Hannah, cansada de se sentir exposta, invadida, imoral e até mesmo não merecedora, não conseguisse simplesmente se permitir estar com alguém com quem ela finalmente se sentia bem, com quem tinha identificação.

Mas a história finalmente pareceu ter seu desfecho quando Hannah presenciou o estupro de uma amiga inconsciente e teve medo de tentar impedir, de gritar, de fazer algo a respeito. Quando ela se envolveu em um acidente de trânsito que acabou matando um colega e não pode dar sua versão dos fatos porque prejudicaria outra pessoa e claro, porque ninguém acreditaria nela mesmo. Ou quando ela própria foi estuprada.

É uma avalanche de acontecimentos que pode sim afetar de diversas formas até um adulto, mas se passa no meio da adolescência de uma garota que não se pode necessariamente ser taxada de problemática – porque qualquer um passando por metade disso teria problemas – ou paranóica – porque isso tudo aí é bem real e bem possível. E não é como se ela não tivesse buscado ajuda. Ela tentou enfrentar seus medos –  desmascarar o cara que tirava fotos dela, chamar os amigos para conversar, ela até entrou para um grupo de comunicação na escola, escreveu cartas anônimas e públicas, bilhetes, ela tentou conversar com alguém que pudesse fazê-la sentir melhor, com seus pais, com o conselheiro da escola. Um de seus gritos por ajuda foi um poema suicida que acabou sendo roubado por mais uma das pessoas que a magoou e publicado num jornal alternativo da escola. Ao invés de perceber que havia algo errado ali, as pessoas que leram o poema também humilharam Hannah. Todos os seus gritos por ajuda não pareciam fazer efeito algum.

Hannah é cada uma das garotas que sente medo de botar uma saia mais curta. É cada menina que vê suas amigas acreditarem mais nos caras do que nela mesma. É cada garota que descobre algo sobre seu corpo e sexualidade e se vê impedida de viver isso livremente. Que sofre com a “inveja” das amigas por cada “elogio” que está longe de ser um elogio. É cada menina que se vê sem ação a partir da atitude de meninos que se acham no direito de “ir além” e dos quais ela não pode se defender, por medo, por vergonha, por fraqueza. Hannah é cada garota que se sentiu um lixo porque não conseguiu se libertar de seu próprio trauma quando “o cara certo” finalmente chegou. Que não conseguiu gritar seu ódio.

13 reasons why também é sobre o jeito como tratamos as nossas meninas e sobre como elas podem não aguentar. Sobre a necessidade de oferecermos apoio psicológico a nossos jovens e a nossas jovens antes que traumas desse tamanho possam tirá-los de nós. Sobre o turbilhão de emoções de uma adolescência. É sobre preconceito. Sobre LGTBfobia. Sobre machismo. A nossa omissão a cada um desses assuntos, o nosso jeito de dizer que “está tudo bem” porque “não é comigo” ou que “é só pedir desculpas” que tudo vai melhorar, é sobre a nossa falta de coragem em corrigir o amigo que chama a menina de “puta” ou o menino de “viadinho”. A nossa omissão quando o amigo bêbado beija a garota à força na balada. A nossa vergonha de explicar porque tá errado dizer que a menina de saia curta “estava pedindo”. O nosso olhar torto quando um amigo nos diz que está fazendo terapia.

A nossa omissão mata milhares de Hannah’s Baker todos os dias.

Até quando?

A preguiça…

Todo mundo diz que eu faço um milhão de coisas e que eu devo viver em um mundo paralelo de 48 horas porque não é possível.

É possível sim, caro amigo. É só pensar que além das um milhão de coisas que faço, existem também aquelas um milhão que eu gostaria de fazer. Que eu vou deixando para lá. Que eu vou esquecendo. Evitando o que é importante. Encaixando novas coisas no dia a dia até não caber mais nada.

Também basta pensar na quantidade de coisas que começo e não termino. Porque não dá tempo. Porque tem muita coisa. Porque é muito trabalho. Porque eu me canso.

Tem horas em que eu penso que sou só um ser humano e que eu preciso descansar. Aí quando me pego descansando, me sinto culpada pelas milhares de coisas que poderia estar fazendo enquanto descanso e não estou.

Esse texto é uma dessas coisas. Ele está aqui, escrito na minha cabeça já tem uns bons anos e eu nunca tinha tido o desprendimento de compartilhar ele lá no meu blog pessoal ou em qualquer outro lugar. Talvez a minha psicóloga já tenha escutado uma ou duas dessas lamúrias, mas não todas elas. Enfim, eu me pergunto toda vez que eu me pego descansando ou fazendo algo que eu não acho tão importante quanto os projetos nos quais me coloquei na vida e que são sim muito importantes: Cadê aquela garota que acordava às 4h30 da manhã e ia dormir às 0h30 todo dia? Aquela que estudava pra prova depois de um longo dia ajudando a galera da igreja? Aquela que fazia mil coisas na época do vestibular e da faculdade e ainda tinha tempo pra tocar violão? Porque eu me perdi dela? Porque eu a abandonei? Ou será que foi ela que me abandonou?

Talvez, em algum momento da vida, eu tenha perdido algum sentido, alguma vontade que era maior. Algum motivo pra lutar.

Preciso me recuperar.

2015

 

Esse ano vai ficar na memória do brasileiro por muito tempo.
Foi em 2015 que percebemos que aquele 7×1 de junho do ano da nossa copa seria inesquecível, não só pela surra futebolística, mas pelas tantas outras que levaríamos, diariamente.
Teve o 7×1 do nosso Congresso, em frangalhos e cada vez se destroçando mais. O 7×1 da falta de aceitação das diferenças que crucificou uma trans na parada gay e milhares delas em todas as ruas, bairros e cidades do Brasil. O 7×1 da morte tão precoce do gênio mineiro Fernando Brant. O 7×1 do impeachment aprovado por um dos maiores criminosos do país e compartilhado por aqueles que não necessariamente o apoiam, mas não deixam de oferecer sua gratidão a ele só por uma defesa de seus interesses. O 7×1 daqueles que lerão o parágrafo anterior e me chamarão de petralha, já que obviamente não é possível atacar Cunha sem ser defensor de Dilma e vice-versa (afinal, é tudo 8 ou 80). O 7×1 dos adolescentes comemorando um salário que foram mortos pela polícia no Rio, já que só podiam ser criminosos. O 7×1 do dólar a R$ 4. O 7×1 das nossas belezas naturais e culturais se esvaindo em lama e em chama, sem um respiro de salva-guarda, sem aviso, sem piedade.
2016: seja mais justo conosco.

Sua Voz

 

A sua voz na minha cabeça
Diz o que eu fiz certo e o que eu fiz errado
Dança, canta, grita e esperneia
Faz um escândalo. Prova seu ponto
É a sua voz na minha lista
Das que esqueceria brevemente
Se suas palavras não pesassem docemente
Cada um dos meus argumentos falhos e vazios
É a sua voz que me acorda no frio
De um pesadelo que não tem mais fim
A voz que puxa, que traz para dentro de mim
Uma série de memórias não vividas
A mesma voz que cantava a rebeldia
De uma canção não comercial
A mesma boca consumia docemente
A mesma sede que o meu corpo chamaria
A mesma voz que eletrônica proclama
Que a minha vida eu devo passar a beber
Só porque um dia eu possa, por um momento, esquecer
Que é de você que eu sinto falta
Não do seu corpo, do seu jeito, da sua calma
Mas daquela primeira dança
Momento em que só em corpos nos encontramos
Lembrança para qual quis voltar
Momento em que ela não havia possibilidade
Nem música
Nem voz
Nem vontade
Nem viagem
Nem descompromisso
A gente podia ter ficado só nisso
Uma inocente dança e sem pauta
Assim, sabe-se que preparada, eu não sentiria sua falta

Crises

o grito

É crise dos 27, crise dos 30, crise dos 3 anos de namoro, crise da solteirice, crise do quando é que eu vou ter um filho, crise do meu gato faz xixi na caminha… Pra quê tanta crise?

Nas últimas semanas tenho me deparado com alguns artigos em sites e blogs explicando momentos da “Crise dos 25”, da “Crise dos 30”, da “Crise da Chapinha que não alisa”. Porque é que temos essa mania de tentar classificar o inclassificável? De tentar agrupar todo mundo em uma determinada classe de gente, que “sofre igual” porque tem a mesma idade, o mesmo tipo de dentição, namora há tantos anos, tá solteiro há tantos anos, é gay desde a virada dos anos 2000 ou compra alface na mesma feira, todo domingo?

Nem irmãos gêmeos são 100% iguais. Porque é que pessoas, classificadas em grupos, seriam? Passar pelos 30 anos, por um casamento, pela adoção de um cachorro, pela primeira tatuagem, funciona de um jeito diferente para cada pessoa e, porque algumas delas passam por momentos de indecisão, não é motivo pra criar uma “crise”.

A impressão que fica é que a gente está muito preocupado em “se classificar” para se sentir parte de algo. Porque o nosso sofrimento por não estar na profissão dos sonhos, ou não ter o carrão que o papai tinha nessa idade, ou não ter um casal de gêmeos, ou não conseguir cuidar de uma planta é muito mais compreensível quando a gente “não está sozinho nessa”. Será que a gente já parou para se perguntar se é realmente tão ruim estar “sozinho nessa”?

Há dias ruins e há dias bons. Se a gente parasse de dar nome às crises e entendesse que há dias em que nada dá certo, mas que não tem problema, tá tudo bem, talvez a vida não tivesse tantas cargas a mais pra gente carregar.

Tem que tentar ser mais leve. Até porque essa vida aí, com crise ou sem crise, é uma só.

Gato, gato, gato!

  Um belo dia, depois de 27 anos de uma longa e feliz vida, me deparo com uma constatação importante: nunca tiver um bicho de estimação só meu. Tive sim, cachorros de posse e responsabilidades compartilhadas, lá dos primórdios da infância, coisas de pouco tempo e pouco costume. Resolvi que adotar um gato seria bom. E o Lupin chegou.

Sempre defendi os direitos dos animais e o bem tratar deles, do meu jeito distante, mas hoje, do alto de minhas duas semanas de posse desse animalzinho, entendo mais. Ele é um ser que depende única e exclusivamente de mim pra viver, não recebe toda a atenção que eu gostaria de dar e ainda assim está sempre feliz ao me ver. E é maravilhoso ter essa pequena grande companhia. 

Conheça o Pomplamoose a razão pela qual viver de música não é mais a mesma coisa

Pomplamoose

Você talvez nunca tenha visto a cara desses dois e nem faça ideia de quem são Jack Conte Nataly Dawn. Acontece que esses caras aí da foto têm mais de 140 mil fãs no Facebook, produzem vídeos com covers e músicas próprias para seu canal no YouTube há mais de 5 anos e finalizaram, em Dezembro do ano passado, uma turnê que passou por 23 cidades dos Estados Unidos e arrastou milhares de fãs com eles. Tudo isso sendo uma banda independente de indie-rock, com algumas canções próprias, algum dinheiro economizado e a cara e a coragem.

O exemplo do Pomplamoose foi compartilhado pelo Jack em um blog, junto com as despesas e receitas de seus 28 dias junto com Nataly na turnê. Entre despesas de transporte, hospedagem, alimentação, divulgação da turnê, contratação de músicos de apoio e todos os percalços pelos quais uma banda passa para divulgar seus shows, eles gastaram U$S 147.802 dólares. A venda dos ingressos e de material promocional (CDs, camisetas, bonés e pôsteres), rendeu U$S 135.983. A banda saiu no prejuízo. Mas não vai parar.

E é aqui que mora a mensagem. Jack Conte fez questão de publicar todos os gastos e rendas da turnê de sua banda para dizer que o Pomplamoose não realizou nada, não venceu nada, não fez nada de especial e diferente: eles são apenas parte de um movimento. Nas palavras do próprio Jack: 

Nós estamos entrando em uma nova era da história: o espaço entre “artistas que morrem de fome” e “ricos e famosos” está começando a ruir. O YouTube está associando milhares de parceiros, pessoas que concordam em colocar anúncios em seus vídeos pra fazer dinheiro com seu conteúdo. A “classe criativa” não é mais a classe emergente: está aqui, agora.

Pomplamoose não quer as capas de revistas nem os programas de auditório. A banda quer apenas levar sua música para seus fãs e viver de música. Para isso, eles sabem que têm que trabalhar duro (e trabalham) e estar perto de seus fãs, para que eles os recebam novamente quando eles voltarem. E esta primeira turnê é um grande exemplo sobre como viver de música pode ser possível, ainda que não seja fácil e ainda que o estrelato nunca chegue. A importância aqui está no fato de se fazer o que se gosta e conseguir viver disso. O Pomplamoose está pronto. A sua banda está?

Halls de Melancia

halls-de-melancia

No meio do dia agitado no trabalho, uma colega pergunta:
– Alguém quer um halls de melancia?

Halls de Melancia. Era o cheiro forte dessa bala que sempre aparecia quando eu encontrava você. Poderia até ser o Trident do mesmo sabor, também moda na época, mas sempre achei que o Halls era mais característico. Mais a sua cara mesmo.

E era esse cheio de melancia que estava sempre no seu carro. Ou em você. Seu perfume (sempre o mesmo ao longo de todos esses anos) não dava conta de cobrir o cheio de melancia que a sua boca exalava e que eu gostava de sentir, naquelas tardes tão curtas, enquanto eu roçava meu rosto na sua rala barba.

Era o gosto de melancia do tal Halls que ficava em mim depois de cada beijo. Era o tal do Halls de Melancia que eu comprava na barraquinha perto da faculdade, ou no bar do lado do estágio, ou na vendinha na frente da escola, cada vez que batia a saudade e eu não podia mais simplesmente te ligar e pedir pra te encontrar ou marcar de te ver.

E hoje, foi o mesmo Halls de Melancia que me arrancou um sorriso do rosto ao lembrar de você e de toda essa história…

Porque essa história eu sempre vou gostar de lembrar. Ainda que não tenha sido o conto de fadas que a adolescente em mim sonhou um dia, tudo no final deu certo, não é mesmo?

Alice

este texto está nos rascunhos deste miserável blog desde julho de 2013. Hoje, foi revisado e veio ao mundo. 

Ela não encontrava seu lugar no mundo. Nem tinha porque continuar procurando.

Havia momentos que não podia esquecer. Vidas que não podia levar. Coisas que não podia entender. Iluminações que não podia alcançar.

Ela era oca. Ou ao menos se sentia assim naqueles dias. Trabalho, alguma distração, estudo, casa. Trabalho, alguma distração, casa. Trabalho, casa. Casa, alguma distração, alguma outra distração, uma foto para recordar. Alguns bons momentos ficavam na gaveta, esperando a chance de serem revistos. Nada parecia ser o mesmo desde que ela se perdeu, sem quê nem pra quê, naquele poço de desilusões perdidas. E é a sua história que ela não quer mais contar, porque já não a sente como sendo sua.

Não adianta dizer que tudo é tão mais simples do que se imagina. Ela não queria mais reviver aquelas angústias. Estava cansada de imaginar o sol brilhar e sempre ver os outros na linha do horizonte, nunca ela. Se achava merecedora das coisas boas da vida, mas não sabia o que fazer para definitivamente alcançá-las. Tê-las por direito.

Ela era atendente de um estúdio de modelos da sua cidade. Passava o dia vendo fotos de futuras celebridades em poses suspeitas. À tarde, Eduardo vinha lhe buscar. Iam juntos para a faculdade nos dias de aula, ou para casa nos dias sem aula. Ela já estava cansada dele, mas não tinha coragem de lhe contar.

Iam pra casa juntos. Todo dia. E tudo o que ela queria era ficar só, mas ele estava sempre lá.

Clarice, a filha dos dois também. Ela era o único ser do mundo que realmente merecia algum amor para Alice. Como se o resto do universo não fizesse o menor sentido. Ela só tinha 7 anos, não sabia de nada.

Era sua ponte. Seu momento de beleza e luz. Ver o sorriso brilhante de Clarice, em sua boca suja de chocolate na volta do parque aos fins de semana, acompanhar cada nova descoberta que a doce menina fazia, ler suas primeiras palavras, conhecer e curar seus medos, ouvir seu dia como se o giz quebrado na caixinha ou a nova música da brincadeira de roda fossem as coisas mais importantes do universo. Para Alice, eram. Ela era mãe de um pequeno belo anjo. Seu querubim.

Até o dia em que Clarice olhou bem fundo nos olhos de sua mãe, e perguntou:

– Onde estão seus olhos, mamãe?

– O que houve, meu bem?

– Seus olhos. Eles não estão olhando pra mim.

– Claro que estão meu bem. Bem aqui, tudo o que importa é você.

– Mas tá sem luz, mamãe… tá sem luz.

Ouvir de seu anjinho que era nítido que algo lhe faltava doeu mais do que qualquer coisa. E foi ali que Alice começou a buscar alguma forma de dar sentido ao que fazia, tentar buscar o que queria e se encontrar, sem medo das tais desilusões.

Ela tinha por quem lutar.

Não era Eduardo, não era sua família, nem a família dele, nem os amigos, os colegas do trabalho, da pós que começou tarde para dar um rumo diferente à carreira.

Era Clarice. Tudo o que existia só podia ser para ela e por ela.

Clarice era a resposta.

Amai ao próximo como a ti mesmo: sobre a causa gay no mundo

freeVou voltar aos meus anos de pessoa religiosa para defender a causa gay. Porque acho que este tempo precisa e merece.

Do capítulo 22 do evangelho de Mateus, versículos 37 a 40 se retiram os seguintes ensinamentos:

E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
Este é o primeiro e grande mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Amarás a Deus sob todas as coisas. Essa parte ok, já sabemos que todos entendemos. E o próximo como a ti mesmo? Quem se ama de verdade se aceita, se respeita, se cuida, tenta aprender o melhor sobre si para melhorar e melhorar o outro. Quem ama o próximo como a si mesmo o aceita, o respeita, cuida do outro, aprende o melhor dele para melhorar a vida e a si mesmo a partir do outro.

Caso esse mandamento fosse mesmo seguido, vocês acham mesmo que a gente precisaria discutir que homofobia é crime? Ao mesmo tempo, que racismo é crime? Que roubo, corrupção e tantas outras coisas são de verdade crime? Não né?

Sinceramente, gostaria de perguntar algumas coisas às pessoas que defendem o casamento apenas de pessoas do mesmo sexo:

– Deus, justo e misericordioso, deve levar ao fogo do inferno um homem ou uma mulher que apenas se identifica mais com um biótipo do que com outro?

– Em sua ampla e infinita misericórdia, nosso senhor Jesus Cristo deve julgar casais que adotaram crianças abandonadas considerando a ação por ter sido feita por pessoas do mesmo sexo e sem considerar a mudança na vida de crianças abandonadas?

– O glorioso rei dos céus não tem nada mais importante para fazer do que se preocupar com o que nós, pobres pecadores, fazemos com nossos órgãos sexuais?

Eu acho uma grande besteira dizer que há versos no livro de Levítico e em outros bíblicos comentando a homossexualidade. Afinal de contas, a Bíblia, livro antigo que é, foi traduzida em milhares de línguas por diversos povos e modificada de acordo com a relação desses povos com seus respectivos tempos. Se fossemos seguir tudo o que a Bíblia fala, nós mulheres precisaríamos passar os dias de nossas menstruações e os 7 dias seguintes isoladas do mundo, sem falar com ninguém, pois “tudo o que a mulher tocar será impuro”, como diz aliás o mesmo livro de Levítico. Imaginem só que beleza passar 14 dias do mês trancada em algum lugar sem falar ou tocar nada nem ninguém. Certíssimo né?

Nos últimos dias vimos a lamentável declaração ignorante e homofóbica de Levy Fidélix nos estarrecer no horário nobre, durante um debate com candidatos a presidente. Mas antes dela, milhares de gays foram mortos, escorraçados, banidos de círculos sociais e tiveram dedos apontados para suas faces em julgamento. Onde está esse amor que deve ser de igual tamanho ao próximo e a si mesmo que não vê que as diferenças entre gostos e opiniões são uma das coisas mais belas que a diversidade humana consegue nos oferecer?

O que seria do azul se todos gostassem do verde? Será que é tão difícil respeitar e entender que o jeito que uma pessoa vive não tem que influenciar mais ou menos na sua maneira de ver?

Para finalizar, deixo aqui um vídeo maravilhoso do Dr. Drauzio Varella que pode esclarecer um pouco mais essa questão, já que infelizmente ainda existe tanta dúvida.

Aí que bom seria se a gente pudesse simplesmente ser livre!

26

26

Tem nem três mês

De vinte-seis

Viu cabelo branco

Primeira vez

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Descarrega emoções

Combustíveis

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Ultrapassa barreiras

Quase instransponíveis

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Fala mais que a boca

Economês

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Não pede desculpa

Nem deseja pêsames

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Sorri, serena

Conta até três

 

Tem nem três mês

De vinte seis

A vida é plena

De deveres

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Começa uma série nova

A cada mês

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Acumula paixonites

Uma por vez

 

Tem nem três mês

De vinte e seis

Insônia incomoda

Acorda às três

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Rugas, pé de galinha

Enfeitam a têz

 

Tem nem três mês

De vinte seis

Continua rimando

Tudo outra vez?

 

Tem nem três mês

De vinte seis

A vida é mais confusa quando se está mais perto dos trinta…

 

Dos filhos desse solo és mãe gentil… Mesmo?

Tenho escutado cada vez mais relatos emocionados de pessoas que vibram a cada vez que a nossa seleção brasileira entra em campo e nossos compatriotas extrapolam o tempo permitido pela Fifa para a execução do Hino Nacional. Momentos incríveis, memoráveis, em que dá aquele aperto no coração e aquela lágrima emocionada escorre sem a gente nem notar. Nosso hino é com certeza um dos mais belos em letra e música, é realmente emocionante ouví-lo tocar e a galera cantando com tanto empenho e tanto orgulho daquelas palavras. Mas quantas vezes nós paramos para pensar o quão verdadeiros (ou não) são aqueles versos?

Me explico (precisa?): um hino nacional deve ressaltar aquilo que é intrínseco em uma nação, suas glórias, lutas, vitórias e conquistas, seus motivos de orgulho. Muitos versos do nosso hino têm essa função e a executam de bom tom, mas ultimamente eu tenho me incomodado muito com um deles, em específico. Cito: “Dos filhos desse solo és mãe gentil / Pátria amada, Brasil”.

Bom, pátria amada, sem dúvida. Mas “mãe gentil”? Não sei se esse solo já foi mãe gentil para alguém, mas olho ao redor e me preocupo. A quantidade absurda de impostos que pagamos para nada, a falta de qualidade do transporte, a falta de opções para moradia, o preço dos alimentos, das roupas, calçados, o acesso à cultura e ao esporte, os serviços de saúde…

Muita dirão que sou uma burguesia metida, reclamando de barriga cheia com meu iPhone na mão. A estes, só posso dizer que sei muito bem de onde saiu o suor para conquistar cada um dos meus poucos bens: e foi da minha testa. Além disso, a posse de uma ou outra conquista não me eximem do direito de ver de onde vim, para onde vou, de saber como sofri para subir cada um dos degraus que subi e de dizer o que acho que está errado. E tem muita coisa errada.

Trabalhar de oito a doze horas por dia para mal conseguir pagar o aluguel no fim do mês está errado. Ter acesso ao lazer em oportunidades raras em que é barato ou gratuito está errado. Só conseguir fazer uma viagem por ano, quando sobra dinheiro está errado. Passar a vida vendendo o almoço pra pagar o jantar está errado. Filas de dias, de meses no hospital, três, quatro horas de ensardinhamento por dia para ir e voltar do trabalho, depender de bolsas de estudo em faculdades particulares porque a qualidade do ensino público não lhe permite ser capaz de cursar uma universidade pública (que por seu próprio nome deveria servir ao povo, mas não no Brasil), poluição e sujeira por toda parte, falta de água para uns e sobra para outros, péssima distribuição de renda, economia dando sinais de que não está tão bem das pernas, o preço do pão, o preço da breja, o custo Brasil…

Fala aê, pátria amada, o que a gente faz para você ser mais Mãe Gentil? Porque sinceramente… não tá rolando!

Plaquinhas

plaquinhas

 

Na rua onde moro rola de tudo. Estou perto da cracolândia, perto de grandes museus, parques, teatros e shoppings. Perto de alguns dos maiores pontos turísticos da capital.

Desde o anúncio da Copa até a chegada do evento, pouco mudou por lá. Um estacionamento novo aqui, um novo investimento imobiliário acolá, reformas dos pontos de ônibus. Sempre teve buraco na rua e ainda tem. Sempre teve mendigo na rua, sem abrigo e sem condições. Sempre teve cracolândia e ainda tem.

Mas nos últimos dias algo mudou. A única coisa que não tinha e agora tem são as plaquinhas. Placas com indicação dos pontos turísticos, centros de informações, direções. Milhares de placas começaram a surgir em todo o centro velho de São Paulo, na região da Paulista, da Augusta, no metrô e na CPTM, nas rodovias e marginais. Placas, placas e mais placas, num movimento inédito de novas ilustrações para fazer nossos olhos viverem alguns dias de ‘estranheza’, para depois voltar ao normal.

Concluo que não se faz Copa do Mundo com transporte de qualidade, nem com bons aeroportos e estradas, nem com estádios, nem com um país com educação, saúde e cultura para todos, nem com o mínimo de qualidade de vida.

Tudo o que a gente precisa para receber uma Copa do Mundo são placas. E elas estão por aí…

 

 

Da beleza de mudar de opinião

Pessoalmente, sempre acreditei que quando você tem uma opinião formada, você precisa ser inteligente o bastante para defendê-la. Mas sempre achei a mudança de opinião ainda mais bonita, porque ela significa que você teve a decência de deixar-se ouvir, deixar-se comparar, deixar-se convencer.

Nesses 8 anos desse blog (cara, isso aqui existe desde 2006! Sério!) eu já expus minha opinião diversas vezes, sobre diversos temas. Minhas crenças religiosas estão aqui, sua evolução e mudança também. Minhas convicções partidárias estão aqui e suas mudanças também. Minhas preferências musicais, literárias, esportivas, cinematográficas, minha forma de pensar o conceito de família, de amizades, de relacionamentos e algumas das principais inquietações desse ser humano que vos escreve. E todas as mudanças nessas preferências, opiniões, atitudes e pensamentos também passaram de alguma forma por aqui, de forma mais ou menos discreta.

A responsabilidade de ter um blog, por mais que abandonado, é grande, já que é nele que você faz suas ideias se tornarem públicas. E como tornar públicas ideias que você tem medo de mudar?

Da mesma forma que encaro com seriedade a questão de escrever minhas opiniões aqui e relê-las anos depois, vendo o quanto mudei, encaro as coisas que digo por aí. Me dou o direito de ter uma segunda opinião, de ouvir, de tentar novamente, de quebrar meus próprios paradigmas, pré-conceitos.

Ter opinião formada é ótimo. Mudar de opinião é melhor ainda.

Resenha: Her (Ela)

herEstamos todos num futuro não muito distante.

Um futuro em que a tecnologia domina tudo ao redor, e em que computadores conversam com humanos seguindo comandos de voz. É nessa realidade que vive Theodore Twombly, um redator que trabalha em uma empresa que “fabrica” cartas escritas à mão, a partir de informações de clientes e fotocópias de suas caligrafias. Ele é um solitário passando por um difícil fim de casamento e foge de encontrar novas pessoas, vivendo uma rotina tranquila e solitária.

É quando conhece um sistema operacional que promete se adaptar à vida e ao dia a dia de seus usuários que a vida de Theodore muda. Seu OS escolhe o nome de Samantha e, a partir de informações do dia a dia, rotina e preferências, começa a fazer parte da vida dele, cada vez mais se parecendo com uma pessoa real, com quem é possível conversar e conviver. Theodore se apaixona por Samantha e começa a viver um amor virtual com seu computador.

Entre tudo o que é possível enxergar a partir da história de Theodore e Samantha, que passa pelos mesmos percalços de um relacionamento comum, está o que é cada vez mais difícil de evitar: temos sido cada vez mais escravos das facilidades que viver em um mundo cada vez mais tecnológico nos impõe. Em diversas cenas do filme, enquanto Theodore conversava com seu celular, interagindo com fotos, músicas, e “mostrando” o mundo para Samantha, outras pessoas faziam exatamente a mesma coisa com seus próprios OSs. E não é necessário ir muito longe para ver que estamos cada vez mais próximos dessa realidade.

No transporte público, quantas vezes você já se pegou olhando para o lado e vendo uma multidão de pessoas interagindo apenas com o celular / tablet? E no bar, com os amigos, entre uma conversa e outra, parar para ver o que está acontecendo com a galera das Redes Sociais? O que é possível não perder no meio de uma festa em que a foto e a localização são quase tão essenciais quanto o momento em si?

A vida é muito mais do que um sistema pré-moldado e a beleza de estar lá, vivendo cada momento, é justamente a de não ser capaz de falar com 8.316 pessoas simultaneamente ou de se apaixonar por 641. E talvez seja essa a principal mensagem do filme: não adianta querermos ser tão velozes, a verdadeira maneira de aproveitar tudo o que está aqui é justamente ter tempo para isso. Consigo e com o resto do mundo. E em carne e osso, sempre que possível for.

PS: a trilha sonora é do Arcade Fire, então, tem que ver e tem que ouvir!

Ano: 2013
Gênero: Drama
Diretor: Spike Jonze
País de Origem: EUA
Duração: 1h26
Nota: 
8

Cuidar da própria vida ninguém quer né?

 

Ser diferente é bonito, é legal, é charmoso, é sexy.

Sim, é claro, sempre foi. Até o momento em que essa “diferença” te incomoda, ou mexe com o seu jeitinho de ver o mundo.

Os canhotos, os negros, as mulheres, os pobres, as meninas de cabelo “ruim”, os bolsistas, os desempregados, os deficientes físicos e tantos outros grupos que, com maior ou menor grau, sempre sofreram um pouquinho de preconceito, justamente por suas diferenças. E agora a onda de ataques é aos homossexuais.

Sim, porque é bonito demais ver beijo gay na novela, né? No conto de fadas, todos são bonitos, fortes, nasceram um para o outro e não têm esse sofrimento que é ser olhado torto na rua, ouvir piadinhas no trabalho e no transporte, ser olhado diferente e que agora é ter que “não dar pinta” para não ser espancado na rua ou ter que sair em “bando” para não correr o risco de morrer antes de voltar da balada.

De verdade, você não gosta de gays? Não gosta de lésbicas? Porque? Nunca percebeu que eles são pessoas que, assim como você têm sonhos, projetos, planos e ambições? Não tá ligado de que eles têm o mesmo sangue correndo nas veias, o mesmo polegar opositor, o mesmo cérebro de 1,5 kg, a mesma capacidade de raciocínio? Então, qual a diferença?

Ah, a bíblia tá falando que tá errado, que é pecado? Se você acredita nisso, tem que acreditar também na liberdade que o tal deus deu para cada um cuidar de sua vida, fazendo as melhores escolhas para si e “pagando” por elas no dia do juízo final, logo, não existe desculpa.

Pra mim, quem é violento com qualquer pessoa tem um único motivo: faltou liberdade em si, logo, não existe liberdade para o outro. Você que bate em gays por aí queria beijar uma pessoa do mesmo sexo, mas não tem coragem, então reage com violência à expressão de uma liberdade que você não consegue abraçar. É um covarde.

Tudo seria tão mais simples se cada um simplesmente escolhesse ser feliz com suas próprias rotinas, ideias, planos e frustrações, não é mesmo? Todo mundo tem um dente podre, um amor que não deu certo, um medo insuperável, um desejo proibido, um teto de vidro. Se cada um aprendesse a olhar apenas para o próprio mundo e cuidar para que o que gira ao redor do próprio umbigo fosse feito das melhores escolhas para o umbigo em questão, o mundo teria menos guerras e mais compreensão. Mais tolerância. Mais aceitação.

Porque todo mundo quer levantar a bandeira das igualdades quando tá na moda fazer isso, mas enfrentar o furacão no dia a dia é para poucos. 

 

A Sociedade do Espetáculo

perfeitoLuz. Câmera. Ação.

Você, ser humano perfeito, acaba de acordar. O mundo gira a seu redor e você só precisa se preocupar em ser ainda mais perfeito. Você é uma novela, uma série, uma história sem fim que todo mundo tem que acompanhar e participar. Porque você é o ser mais importante do universo.

E porque você é assim tão importante? Ah, porque nasceu, lindo, maravilhoso e perfeito. Com essa “duck face” que aparece em todas as suas fotos, esse seu bronzeado que deixa todo mundo louco, ou esse cachecol que você usa nos dias de frio só pra fazer charminho. E você é um ser humano cheio de virtudes incríveis, que são as mesmas que estão na moda no momento, porque afinal de contas, você não quer criar polêmica. Você foi às manifestações do ano passado porque sua turminha foi, acha as Diretas Já o máximo mas não sabe em que ano aconteceram, digita #NãoVaiTerCopa por aí porque é statis, achou o beijo gay da novela sensacional, mas faz cara feia quando vê dois rapazes de mãos dadas na rua.

Mas a culpa não é sua. A culpa é dos seus pais, que não conseguiram te dizer um não sequer, seja quando você pediu de Natal o brinquedo da última moda e que eles ficaram pagando o ano inteiro, pra você enjoar em dois dias e chamar o Papai Noel de velho babão em seguida, seja quando você reclamou que a professora era uma idiota, apenas porque ela tinha corrigido sua prova do jeito certo ou porque te deu uma bronca na frente dos seus amigos. A culpa é dos seus amigos, que fizeram você acreditar que ser o machão ou a menina mais bonita te fariam ser bem sucedido (a) para todo o sempre. A culpa é do seu tio, que deixava você trabalhar a hora que quisesse no seu “primeiro estágio”. A culpa é do seu professor da faculdade, que não te disse que o seu diploma não valeria nada se você não trabalhasse duro para ser um bom profissional. A culpa é de todo mundo ao seu redor que não abriu seus olhos para a vida, que não é cor de rosa como o céu fica no final do desenho animado. E a culpa é sua sim, por se manter nesse Show de Truman até agora.

Você é esse ser humano que fica feliz a cada novo comentário te dizendo como você é lindo e que faz cara feia quando aquele seu amigo não dá like na 42ª foto que você postou no “Faice hoje”. Você é aquele que xinga seu chefe cada vez que ele te pede para corrigir um erro que você cometeu 495 mil vezes, que não olha na cara da empregada que te serve café, ou que deixa o banheiro do escritório limpo, ou que faz o almoço da galera. Esse ser humano cheio de virtudes que é você, ultrapassa o sinal amarelo porque “dá tempo”, que paga a habilitação porque “todo mundo paga”, reclama dos políticos que tem, mas sempre vota na mesma gente e se conforma em todos os dias levantar e ir para o trabalho chato, passar horas da vida com pessoas que você não gosta, voltar pra casa, ver novela e dormir. Mas nada disso importa porque você veste roupa de grife, gasta muito nas baladas do fim de semana e está sempre sorrindo nas Redes Sociais. Porque você é feliz.

Ou porque você é um bebê mimado, mal educado e cheio de problemas psicológicos. Que finge que tá tudo bem, afinal, a vida segue e você precisa mostrar sua felicidade pra aquela cambada de invejosos.

Corta!

PS: texto inspirado em um bocado de conversa com duas pessoas incríveis (Wendl e Dri, vocês são demais) e nessa matéria aqui.